sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Quase Um Poema De Amor!






Desta vez vou escrever um poema que vai ser um poema de amor, mas que não é apenas um poema de amor. O amor, com efeito, é algo que não cabe num poema; pelo contrário, o poema é que pode caber no amor, sobretudo quando te abraço, e sinto os teus cabelos na boca, agora que a tua voz me corre pelos ouvidos como, num dia de verão, a água fresca corre pela garganta. A isto, em retórica, chama-se uma comparação; e pergunto o que é que o amor tem a ver com a retórica, ou por que é que o teu corpo se teme de transformar numa metáfora - rosa, lírio, taça, qualquer objeto que tenha, na sua essência, um elemento que me possa levar até ele, como se fosse preciso, para te tocar, substituir-te por outra imagem, ver em ti o que não és, nem tens de ser, ou ainda transformar-te num lugar comum, que é aquilo em que, quase sempre, acabam os poemas de amor.
 Assim, este poema de amor é, mais do que um poema de amor, um exercício para escrever um poema de amor - mas um poema de amor a sério, sem comparações nem metáforas, só contigo, com o teu corpo, com a tua voz, com os teus cabelos, com aquilo que é real, e não precisa sair da realidade para se tornar objeto de um poema de amor em que o amor, finalmente, deixa de ser o objeto único do poema, que se preocupa acima de tudo com a retórica, as imagens, o equilíbrio das formas.
 Mas, pergunto, não é o teu corpo uma flor? Não é a tua boca uma rosa? Não são lírios os teus seios? Tudo, então, se transforma: E o que tenho nas mãos é uma imagem, a pura metáfora da vida, a abstrata metamorfose das emoções. O resto, meu amor, és tu - E é por isso que o poema de amor que te escrevo não é, finalmente, um poema de amor.
Maria Luisa Martins

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